segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

#1

Este natal quero moelas


O frio de rachar que me rasgava a face e me mantinha as mãos frias ameaçava continuar nos próximos dias. Pelo menos, era isso que a previsão dizia. Mas eu não me importava, eu gosto do frio. Peguei nas luvas pousadas no armário da entrada e saí. O chão estava gelado e escorregadio, é preciso ter cuidado para não cair, pensei. Virei á direita no portão do jardim e segui pela rua abaixo. As árvores despidas sob um céu cinzento faziam a paisagem á minha volta. Os meus passos produziam um som silencioso e também ele cinzento, á medida que procurava um destino. As primeiras iluminações de natal começavam a surgir, lá longe. A sua luz dava outro colorido á cidade, mas mantive-me por aqui, a uma certa distância. Não me apetecia ainda a confusão viciante do centro no natal, apetecia-me o sossego e a quietude dos suburbios. Não passava ninguém na rua, não sei se por causa do frio ou se por culpa da hora. Caminhava cada vez mais sozinho e começava a ficar cansado. Entrei no primeiro café que me apareceu. Sentei-me ao mesmo tempo que um senhor de idade que entrara pela outra porta - mas sentei-me duas mesas à sua frente. Queria olhar lá para fora, a vista era boa. Os dois empregados do café, solicitos e rápidos, atenderam-nos quase em simultâneo, e com a mesma pergunta - talvez espírito de Natal, talvez táctica da gerência: "o que vai querer este Natal?". Pedi um chocolate quente, peço sempre um chocolate quente. Ouvi então, atrás de mim, a frase que mais me surpreendeu nos últimos tempos.

"Moelas. Este Natal, quero moelas.".

Afinal, nem todos os pedidos são óbvios.


-André Carvalho



A arte de bem fazer neve (de esferovite)


A esferovite é especial.
A neve é especial.
Logo a neve é esferovite.

Destas três premissas dou início à minha teoria. Antes de mais, para que a compreendam, é necessário possuírem o material que direi de seguida: um x-acto e um pedaço de esferovite. Vou dar, como dizia, início à minha teoria.
Olhamos, num daqueles gelados dias de Inverno, do interior da nossa sala aquecida pela lareira para fora da janela embaciada, e vemos que neva. Vemos os pequenos pedaços brancos que, como fagulhas, esvoaçam ao sabor do vento, espalhando o manto branco por todo o bosque. Está frio lá fora e a neve já cobriu a vedação de nossa casa. Não podemos sair. As estadas estão cortadas, tal como qualquer caminho que sai da porta de nossa casa. Corremos para a despensa para ver se temos os mantimentos obrigatórios e essenciais: chocolate e os ingredientes indispensáveis para o tornar num delicioso néctar quente que se vai desfazendo na boca à medida que o saboreamos.
Assegurada a sobrevivência, empoleiramo-nos à janela e olhamos para o nada. Olhamos e voltamos a olhar. E olhamos mais uma vez. E mais outra. E outra, E, e, e…
Olhamos tanto tempo que nos hipnotizamos pelo branco que nos cega. É aí que a minha teoria entra! No enlevo que vos absorta no branco, lembram-se lá no fim da vossa memória de um material que vos aconselharam a ter. Por coincidência acabaram de ler uma teoria sobre a neve e a esferovite e compraram o material pedido, Sim, agora lembram-se melhor. Desviam o olhar da janela e focam-no na mesa. Lá está. Uma placa de esferovite e um x-acto, Tentam-se lembrar do que fazer com esse material. Relêem mentalmente a teoria mas não se conseguem lembrar. E aí, eu dou uma ajuda.
Como já se esqueceram do que fazer com o material, eu relembro. Para quem é inexperiente na interacção com qualquer um dos materiais, aviso que os devem utilizar com cautela. Postos estes pontos prévios, relembrarei então.
A relação entre a neve e a esferovite é bem mais íntima do que se possa pensar. Vejamos porquê:
1.Ambas são brancas
2.Ambas reflectem a luz de uma forma intensa
3.Ambas são facilmente moldáveis
4.Ambas são compostas por partículas mais pequenas

E é sobre este último ponto que toda a teoria se fundamenta. Passemos então à prática. Peguem no pedaço de esferovite na mão esquerda (caso sejam destros) e o x-acto na outra. Com a lâmina na posição de corte,”deitam-na” num ângulo de 90º , tendo como eixo a faixa afiada, de modo a que fique todo o início da lâmina em contacto com a placa de esferovite. Depois deste complicado processo, e com o x-acto na posição pedida, só têm de raspar no sentido do vosso corpo, de um modo sucessivo, alternando por toda a área da placa. Durante este processo dar-se-á um fenómeno a que na natureza se dá o nome de “desfazer a neve”. Depois, com as pequenas partículas de esferovite na mão basta atirarem para a atmosfera e verão como se faz neve.
E assim, um dia, numa casa aquecida pela lareira flamejante, alguém aprendeu a milenar arte de bem fazer neve.



- António Pedro Faria

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

9's fora...
mas 9's fora de onde?
nove's fora dá 12 e vão três
são 5 contos de reis
menos 3 tostões que vão ser para a fita
e outros 2 para o champagne

a fita é oferta, o champagne por conta da casa
ainda vai dar prejuízo
as festas são sempre abençoadas
e convidados?
9?
e ficam fora?
ou dentro?
fora
na varanda
ou no jardim
uma festa de jardim é chique
a varanda ainda cai...
uma festa
é isso, no jardim
ah faltam os canapés
jardim então
e ninguém entra com tupperwares no jardim
mais prejuízo é que não
de sentar ou comer?
hmmm
eles que andem
e petisquem
sempre comem menos
e é menos loiça que se lava

referia-me aos canapés
ah os canapés
lavar loiça é que não. já chega de trabalho, não somos burros de carga
só se lavarem os convidados
afinal estão fora..
ai perde-se a chiqueza
tens razão tens razão
se nãos e perder com as entradas de tuperware's
precisamos de ver empresas de catering
não estou para cozinhar no dia de inauguração

e jardinagem, é preciso tirar os gnomos
ei pois é!
mas e quiche os gnomos
agarram-se ás pernas das pessoas
e são práticos para pousar os copos
e entreter as crianças
treinamo-los e pomo-los a servir, sempre é dinheiro que se poupa
exacto
são violentos
ai estes são dos violentos
ah já me lembro da historia do gnomo assassino!
Pois, tens razão
gnomos são violentos
que sirvam, então. não poderão fazer muito mal armados com espetadas de camarão
camarão...
parece-me caro demais
afinal somos pobres

arranjamos alguns na candonga
ah e musica, falta a musica!
trocamos por meias de lã, é frio no mar por esta altura
tocais vós!
mas assim não comeis...
pois, e eu quero comer
mas não consigo tocar e comer
a não ser que toque com uma mão
preludio para uma mão e um panado
de pananinov
grande compositor que já tem 3 estrelas michelin
é uma possibilidade caríssimo, mas não esqueçamos que prato e talheres requerem as duas mãos...
tratemos de arranjar um substituto
que tal uma caixa de música?
dou lhe corda e aquilo toca por uma hora
não e ma ideia
ora
temos a fita
o champanhe
os convidados
o jardim
pera
mas
mas vamos inaugurar o que afinal?
o inicio
o prelúdio
o prólogo
a partida para uma viagem
o zarpar de um navio em direcção a um mar de sonhos
mas uma viagem?
hm
mas o navio tem de ter cuidado com os icebergs
não e melhor de avião?
ou de balão
o aviões necessitam gasolina
e porque não inauguramos o fim?
balão serviria
balão seja
porque a escrita, a criação, não são um destino, são uma viagem
mas a seguir do fim vem o inicio
com a vantagem de no fim te poderes prepara para o inicio
no inicio preparaste para o fim

é bem visto
mas confuso
não te esqueças de apontar tudo no caderno de encargos
ah, sim
então só se considerarmos que vamos inaugurar o fim do principio
ou o antes do principio
o nada que está antes

estou a apontar tudo no diário no razão, aprendi em análise de custos
o antes do big bang
isso não ensinam no meu curso
enfim
o concepção final e inicial da vida no mundo
tens de ligar aos gajos do acelerador de partículas
para saber o que é antes do principio
para podermos inaugurar esse antes

o nada que está para além do universo, o nada que era o inicio, o nada que poderá vir a ser o fim
exacto
portanto inauguraremos o nada que já foi e que há de vir
e lá pelo meio poderemos falar do principio
sim, mas agora quero é rodelas de ananás
tratemos de mandar o convites, para dar inicio á festa