Este natal quero moelas
O frio de rachar que me rasgava a face e me mantinha as mãos frias ameaçava continuar nos próximos dias. Pelo menos, era isso que a previsão dizia. Mas eu não me importava, eu gosto do frio. Peguei nas luvas pousadas no armário da entrada e saí. O chão estava gelado e escorregadio, é preciso ter cuidado para não cair, pensei. Virei á direita no portão do jardim e segui pela rua abaixo. As árvores despidas sob um céu cinzento faziam a paisagem á minha volta. Os meus passos produziam um som silencioso e também ele cinzento, á medida que procurava um destino. As primeiras iluminações de natal começavam a surgir, lá longe. A sua luz dava outro colorido á cidade, mas mantive-me por aqui, a uma certa distância. Não me apetecia ainda a confusão viciante do centro no natal, apetecia-me o sossego e a quietude dos suburbios. Não passava ninguém na rua, não sei se por causa do frio ou se por culpa da hora. Caminhava cada vez mais sozinho e começava a ficar cansado. Entrei no primeiro café que me apareceu. Sentei-me ao mesmo tempo que um senhor de idade que entrara pela outra porta - mas sentei-me duas mesas à sua frente. Queria olhar lá para fora, a vista era boa. Os dois empregados do café, solicitos e rápidos, atenderam-nos quase em simultâneo, e com a mesma pergunta - talvez espírito de Natal, talvez táctica da gerência: "o que vai querer este Natal?". Pedi um chocolate quente, peço sempre um chocolate quente. Ouvi então, atrás de mim, a frase que mais me surpreendeu nos últimos tempos.
"Moelas. Este Natal, quero moelas.".
Afinal, nem todos os pedidos são óbvios.
O frio de rachar que me rasgava a face e me mantinha as mãos frias ameaçava continuar nos próximos dias. Pelo menos, era isso que a previsão dizia. Mas eu não me importava, eu gosto do frio. Peguei nas luvas pousadas no armário da entrada e saí. O chão estava gelado e escorregadio, é preciso ter cuidado para não cair, pensei. Virei á direita no portão do jardim e segui pela rua abaixo. As árvores despidas sob um céu cinzento faziam a paisagem á minha volta. Os meus passos produziam um som silencioso e também ele cinzento, á medida que procurava um destino. As primeiras iluminações de natal começavam a surgir, lá longe. A sua luz dava outro colorido á cidade, mas mantive-me por aqui, a uma certa distância. Não me apetecia ainda a confusão viciante do centro no natal, apetecia-me o sossego e a quietude dos suburbios. Não passava ninguém na rua, não sei se por causa do frio ou se por culpa da hora. Caminhava cada vez mais sozinho e começava a ficar cansado. Entrei no primeiro café que me apareceu. Sentei-me ao mesmo tempo que um senhor de idade que entrara pela outra porta - mas sentei-me duas mesas à sua frente. Queria olhar lá para fora, a vista era boa. Os dois empregados do café, solicitos e rápidos, atenderam-nos quase em simultâneo, e com a mesma pergunta - talvez espírito de Natal, talvez táctica da gerência: "o que vai querer este Natal?". Pedi um chocolate quente, peço sempre um chocolate quente. Ouvi então, atrás de mim, a frase que mais me surpreendeu nos últimos tempos.
"Moelas. Este Natal, quero moelas.".
Afinal, nem todos os pedidos são óbvios.
-André Carvalho
A arte de bem fazer neve (de esferovite)
A esferovite é especial.
A neve é especial.
Logo a neve é esferovite.
Destas três premissas dou início à minha teoria. Antes de mais, para que a compreendam, é necessário possuírem o material que direi de seguida: um x-acto e um pedaço de esferovite. Vou dar, como dizia, início à minha teoria.
Olhamos, num daqueles gelados dias de Inverno, do interior da nossa sala aquecida pela lareira para fora da janela embaciada, e vemos que neva. Vemos os pequenos pedaços brancos que, como fagulhas, esvoaçam ao sabor do vento, espalhando o manto branco por todo o bosque. Está frio lá fora e a neve já cobriu a vedação de nossa casa. Não podemos sair. As estadas estão cortadas, tal como qualquer caminho que sai da porta de nossa casa. Corremos para a despensa para ver se temos os mantimentos obrigatórios e essenciais: chocolate e os ingredientes indispensáveis para o tornar num delicioso néctar quente que se vai desfazendo na boca à medida que o saboreamos.
Assegurada a sobrevivência, empoleiramo-nos à janela e olhamos para o nada. Olhamos e voltamos a olhar. E olhamos mais uma vez. E mais outra. E outra, E, e, e…
Olhamos tanto tempo que nos hipnotizamos pelo branco que nos cega. É aí que a minha teoria entra! No enlevo que vos absorta no branco, lembram-se lá no fim da vossa memória de um material que vos aconselharam a ter. Por coincidência acabaram de ler uma teoria sobre a neve e a esferovite e compraram o material pedido, Sim, agora lembram-se melhor. Desviam o olhar da janela e focam-no na mesa. Lá está. Uma placa de esferovite e um x-acto, Tentam-se lembrar do que fazer com esse material. Relêem mentalmente a teoria mas não se conseguem lembrar. E aí, eu dou uma ajuda.
Como já se esqueceram do que fazer com o material, eu relembro. Para quem é inexperiente na interacção com qualquer um dos materiais, aviso que os devem utilizar com cautela. Postos estes pontos prévios, relembrarei então.
A relação entre a neve e a esferovite é bem mais íntima do que se possa pensar. Vejamos porquê:
1.Ambas são brancas
2.Ambas reflectem a luz de uma forma intensa
3.Ambas são facilmente moldáveis
4.Ambas são compostas por partículas mais pequenas
E é sobre este último ponto que toda a teoria se fundamenta. Passemos então à prática. Peguem no pedaço de esferovite na mão esquerda (caso sejam destros) e o x-acto na outra. Com a lâmina na posição de corte,”deitam-na” num ângulo de 90º , tendo como eixo a faixa afiada, de modo a que fique todo o início da lâmina em contacto com a placa de esferovite. Depois deste complicado processo, e com o x-acto na posição pedida, só têm de raspar no sentido do vosso corpo, de um modo sucessivo, alternando por toda a área da placa. Durante este processo dar-se-á um fenómeno a que na natureza se dá o nome de “desfazer a neve”. Depois, com as pequenas partículas de esferovite na mão basta atirarem para a atmosfera e verão como se faz neve.
E assim, um dia, numa casa aquecida pela lareira flamejante, alguém aprendeu a milenar arte de bem fazer neve.
- António Pedro Faria